Nabarro & Pfeferman Advogados

Como a MP da Tributação de Receitas no Exterior afeta fundadores e investidores de startups?

Nabarro & Pfeferman Advogados
Luiza Martinez
12 de maio de 2023

Por Luiza Martinez, Diego Enrico Peñas e Thomas Pfeferman

A MP nº 1.171/23, publicada no dia 30 de abril de 2023, introduziu regras inéditas para tributar os investimentos de pessoas físicas brasileiras em ativos no exterior. Estas regras vão afetar desde pessoas que compram ações estrangeiras em home-brokers até pessoas que usam estruturas offshore para investimento em startups. Vale mencionar que para fins desta leitura tratamos como offshore as empresas estrangeiras de renda passiva e/ou residentes em paraísos fiscais[1].

Pensando na estrutura jurídica comumente usada nos investimentos de venture capital no Brasil, o Cayman Sandwich, a principal preocupação com a MP 1.171/23 está nas consequências tributárias negativas para os sócios controladores (e.g. os fundadores) das empresas operacionais brasileiras lucrativas (ou que tenham a expectativa de gerar lucro a partir de 2024) detidas por uma ou mais holdings offshore.

O chamado “Cayman Sandwich” consiste na seguinte estrutura: empresa operacional no Brasil, detida 100% por holding sediada em Delaware/EUA, detida 100% por holding sediada nas Ilhas Cayman. Após este chamado “flip”, os fundadores e investidores tornam-se sócios da offshore em Cayman, organizando nesta holding as regras de governança e estabelecendo os direitos de cada sócio.

Para entender os impactos da MP aos investidores e fundadores após o flip para a offshore, é importante analisar qual a posição societária detida por cada um:

  • Se for Sócio controlador da offshore – que seja detentor da maioria da participação societária, detentor de direitos que assegurem a maioria nas deliberações sociais, e/ou detentor do poder de eleger/destituir a administração (inclusive via acordo de votos, em conjunto com familiares ou com sócios em empresas no Brasil: a offshore será considerada uma Entidade Controlada.
  • Se for Sócio não controlador – que não tenha controle e não tenha qualquer vínculo com pessoas detentoras de mais de 10% do capital votante da empresa: a offshore será considerada uma aplicação financeira.

Para detentores de Entidades Controladas (sócios controladores da offshore) a nova regra exige que o(a) brasileiro(a) declare em sua Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) anual os lucros que a offshore tenha auferido “como se houvessem sido distribuídos pro rata”. Assim, todos os resultados positivos contabilizados ao final do exercício social no balanço corporativo serão tributados.

Para sócios de empresas com estruturas de Cayman Sandwich fica a seguinte pergunta: “qual a regra contábil deve ser aplicada no balanço corporativo anual da offshore?”. Cada jurisdição tem regras contábeis próprias e é bastante usual que algumas jurisdições não obriguem a entrega de balanços contábeis, e/ou não obriguem a consolidação de resultados de subsidiárias na empresa controladora (holding).

A MP usou linguagem ambígua determinando que a contabilidade das empresas no exterior deve ser realizada conforme a “legislação”, possibilitando ao fisco a interpretação de que a contabilidade da offshore deverá observar legislação brasileira. Se for adotada a legislação brasileira, questionamos: Estaria a offshore controladora de empresa brasileira obrigada, ao final do exercício social, realizar equivalência patrimonial e consolidação dos resultados do grupo – obrigação aplicável às empresas brasileiras controladoras de grupo econômico? Se a resposta for afirmativa, eventual lucro apurado pela empresa operacional no Brasil (mesmo que não distribuído) será consolidado e refletido nos balanços das offshores no exterior, constituindo fato gerador do imposto de renda para os controladores. Lembramos, ainda, que mesmo que não seja aplicável a legislação contábil brasileira, os fundos de venture capital que seguem o padrão “NVCA”[2] exigem a consolidação de demonstrações financeiras.

Em outras palavras, a principal mudança da MP é que se antes os lucros eram tributados apenas na efetiva distribuição de lucros aos fundadores e investidores da offshore, agora serão tributados desde sua contabilização na empresa do Brasil. O impacto de tal mudança é ainda maior agora que startups estão sendo obrigadas a buscar rentabilidade mais cedo num cenário global de juros mais altos e capital mais escasso.

Outro risco é a eventual obrigação de contabilização dos investimentos no Brasil pelo valor justo ou valor de mercado, que poderá ser contabilizado como lucro contábil nas holdings. A nova regra não definiu nenhuma diferenciação entre o luco tributável e o lucro contábil das empresas, havendo risco de tributação mesmo no caso de não haver consolidação de resultados na holding. Esta questão será especialmente importante para fundadores e investidores após as rodadas de captação de investimento, quando a marcação a mercado é inevitável. Se o lucro contábil decorrente da atualização do valor da investida passar a ser tributável, haverá para os brasileiros uma tributação a cada rodada. Por enquanto o tratamento deste lucro contábil segue pendente de definição.

Já para os sócios titulares de aplicações financeiras (sócios minoritários fora do bloco de controle) a questão tributária é outra. Diferentemente daqueles detentores de Entidades Controladas, para os sócios não controladores a regra do “efetivo recebimento” continua valendo. Ou seja, não será necessário considerar a antecipação anual dos resultados positivos da offshore, aplicando-se a tributação apenas no momento da distribuição dos lucros (regra atual).

Entretanto, a receita da venda destes ativos (participação societária) não será mais considerada como ganho de capital. Nesta nova regra tais receitas serão consideradas como receitas financeiras, tributadas às novas alíquotas progressivas até 22,5%. Assim, para muitos minoritários, os rendimentos que antes eram “ganho de capital”, tributados pelo IR a 15% no Brasil sobre o ganho (i.e. o saldo entre o produto da alienação e o custo), passarão a ser receita financeira tributada pelo IR a 22,5%.

Outro ponto importante introduzido pela MP é a possibilidade de atualizar o valor de custo de investimentos no exterior com base em lucros acumulados até 2023. Essa atualização carregaria uma tributação descontada de 10% – ou seja, mais econômica que a tributação de 15% atualmente aplicada no momento da realização. Ressaltamos que eventual benefício dessa antecipação excepcional da tributação precisa ser analisado caso a caso.

Por fim, lembramos que a MP 1.171/23 ainda está sujeita a alterações durante o trâmite legislativo. Vamos seguir acompanhando o assunto e iremos informá-los sobre as novidades. Estamos à disposição caso tenham quaisquer dúvidas sobre o tema.

[1] A MP nº 1.171/23 lista uma série de receitas que serão consideradas passivas, como por exemplo receitas de: participações societárias, dividendos, juros, aluguéis, royalties, aplicações financeiras, entre outros. Será considerada uma empresa de renda passiva qualquer empresa que tenha pelo menos 20% de sua renda total decorrente de fontes passivas.

[2]National Venture Capital Association dos Estados Unidos, cujo pacote de documentos padrão para operações de captação de investimento é amplamente utilizado pelas empresas que utilizam a estrutura de Cayman Sandwich ou Delaware Tostada.

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